domingo, 14 de junho de 2009

Para aqueles que amam

Aproveitando a passagem do “Dia dos Namorados”, vou deixar o futebol um pouquinho de lado para falar sobre algo que assim como ele, também meche – e muito – com nossas emoções: o amor.

Meu avô paterno, que infelizmente faleceu no final de 2007, deixou uma vasta coleção de livros de variados temas. Minha família resolveu doar todos eles para a criação de uma biblioteca que levará o seu próprio nome (Josué Nunes de Lima), mas pude separar alguns para mim. Um deles chama-se Figuras do Brasil: 80 autores em 80 anos de Folha. Trata-se de uma coleção de 80 crônicas de 80 renomados escritores, jornalistas, políticos, médicos, artistas e outros notáveis que já escreveram para o jornal.

Foi lendo esse livro que conheci um dos melhores textos que falam sobre o amor. Escrito por Nelson Rodrigues, ele é melancólico, um pouco triste, mas reserva no seu final um sábio conselho para aqueles que amam. Leiam com atenção, pois vale a pena...

AMOR QUE MORRE (Por Nelson Rodrigues)

"1 - Amigos, estou batendo esta crônica e, ao mesmo tempo, ouvindo uma valsa linda, que o rádio do vizinho está tocando. Identifico a melodia. É uma valsa que não envelhece e que se chama 'Quando Morre o Amor'. Sempre a ouço com encanto e, mesmo, com uma certa mágoa. O que é bonito dói na gente. E só não concordo com o título. Nenhum amor tem, ao morrer, esta doçura evocativa, esta melancolia dilacerada. O título da valsa deveria ser: 'Quando o Amor Nasce'.


2 - Eis a verdade: o amor que morre não deixa nenhuma nostalgia, e eu diria mesmo, não deixa nada. Ou por outra: deixa o tédio. O que nos fica dos amores possuídos e passados é simplesmente o tédio, talvez o ressentimento, talvez o ódio. Abominamos o ex-ser amado. Intimamente, nós o acusamos de ter destruído o nosso sonho. E vamos e venhamos: que coisa atroz é o amor que deixou de sê-lo. Mas o que eu queria dizer é o seguinte: há um equívoco na valsinha nostálgica.

3 - Eu diria, ainda, que a morte de um amor é pior do que a morte pessoal e física. Só uma coisa espanta: que se possa sobreviver a um amor. Eu me lembro de um vizinho que tive, na minha adolescência. Era um rapaz igual a milhares, igual a milhões. De uma larga e irresistível simpatia humana. O seu 'bom-dia' não era polidez, mas amor. Pois bem, um dia, esse rapaz ama. Foi uma paixão de vizinhos. Aconteceu, então, o seguinte: ele entregou-se ao amor, pôs no amor a generosa totalidade do seu ser.

4 - Mas enquanto ele fazia um amor de ópera, com um certo halo de tragédia, a menina era superficial, uma frívola ou, como nós chamamos convencionalmente, 'uma cabecinha de vento'. Ela não sentia, no seu romance, o peso do sonho. Até que, uma tarde, na cidade, o rapaz a vê, de passagem, num táxi, com um homem casado. O que houve, nele, antes da dor, foi o espanto. Disse para si mesmo: 'Ela me trai. Eu sou traído". E o pior é que não sofria. Voltou para casa com a alma vazia de desespero. Essa impossibilidade de sofrer foi o mais duro dos castigos.

5 - Que faz o rapaz? Chega em casa, tranca-se. E, diante do espelho, mete uma bala na cabeça. A princípio, todos deduziram: 'Matou-se por amor.' Depois, entretanto, descobriram, em cima da mesinha, um bilhete. Lá estava escrito: 'Morro porque deixei de amar'. A rua, um bairro ou a cidade sentiu, nessas palavras finais, uma espécie de canto da solidão infinita. Eis a verdade: quem experimenta o verdadeiro amor já não sabe viver sem ele."

"6 - Cabe então a pergunta: pode-se saber quando um amor morre ou, por outra, quando um amor começa a morrer? Nem sempre são as grandes causas que liquidam o amor. Às vezes, ou quase sempre, o que decide é a soma de pequeninos motivos. Um incidente mínimo pode valer mais que um insulto grave, uma ofensa mortal. Por exemplo: um bate-boca. Eu vos digo que é no primeiro bate-boca que o sentimento amoroso começa a morrer.


7 - Contei, aqui mesmo, nesta coluna, o caso daqueles namorados da Tijuca (da Tijuca ou de Haddock Lobo, não me lembro bem). Era um amor de novela, de filme. 'Nasceram um para o outro', diziam. E era tal o agarramento que, certa vez, no cinema, o vaga-lume incidiu sobre eles a lanterna. Houve, ali, um pequeno escândalo, felizmente abafado. Mas como eu ia dizendo: todo mundo estava convencido de que nada alteraria aquele amor, assim na terra como no céu. Até que, uma tarde, ele tem uma pequenina impaciência com a bem-amada, e deixa escapar um 'não chateia'.

8 - parece pouco. E foi muito, foi tudo. Essa interjeição ordinária, essa expressão vil era uma mácula definitiva. Naquele justo momento, o amor adoeceu para morrer. Todos os fracassos matrimoniais vêm da soma - repito - da soma de todos os 'não chateia', de todos os 'não amole', que vamos largando pela vida. A mulher que é simplesmente chamada de 'chata' teria preferido uma ofensa mais grave e brutal.

9 - Eu sempre digo que não é na recepção do Itamarati que devemos ser perfeitos. Não. Devemos reservar o melhor de nós mesmos, de nossa delicadeza, de nossa cerimônia, de nosso charme, para a mais secreta intimidade do lar. É menos grave chamar de 'chato' um embaixador, um ministro, do que o namorado, a noiva, a esposa, o marido. Se respeitássemos o nosso amor, não seríamos tão solitários e tão malqueridos."

FIM

A crônica acima foi a última que ele escreveu. Segundo a própria Folha de São Paulo, no mesmo dia em que foi publicado o texto, 20 de dezembro de 1980, o jornal estampava sua capa com a manchete “Morre Nelson Rodrigues”.

Um fato muito curioso é que Nelson Rodrigues, autor de peças importantíssimas para a nossa dramaturgia, como Toda nudez será castigada (1965), disse no alto de sua irreverência que “toda mulher gosta de apanhar” e que “todo homem adora ser traído”. Porém, nos últimos dias de sua vida, escreveu que "quem experimenta o verdadeiro amor já não sabe viver sem ele".

Lembrem-se: “Devemos reservar o melhor de nós mesmos, de nossa delicadeza, de nossa cerimônia, de nosso charme, para a mais secreta intimidade do lar. É menos grave chamar de 'chato' um embaixador, um ministro, do que o namorado, a noiva, a esposa, o marido”.

Feliz dia dos namorados, com um pouco de atraso, a todos.

2 comentários:

  1. "quem experimenta o verdadeiro amor já não sabe viver sem ele."

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  2. parabéns pelos 9 meses de namoro ivanzitcho!
    e mto linda a crônica...
    booomm final de semana!!!

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